No dia do aniversário de 266 anos da antiga Vila de Macapá, os servidores Marcelo Jaques (historiador) e Michel Ferraz (museólogo) trazem um texto sobre fatos históricos desse período. Acompanhe:
A data era 04 de fevereiro de 1758, e em meio a uma missão exploratória determinada pela coroa portuguesa, que visava a demarcação de fronteiras e a garantia da posse das terras localizadas no extremo norte de sua Colonia Brasileira, o governador do Grão-Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ergueu o pelourinho na principal praça do povoado de Macapá, elevando-o, com esse ato simbólico, à categoria de Vila.
Esse é o resumo da história de criação de nossa cidade, de lá pra cá se passaram 266 anos de muita luta, trabalho, dedicação e amor do povo amapaense por sua terra. Hoje Macapá se notabiliza como uma cidade de médio porte, com uma população relativamente volumosa, de aproximadamente 443 mil habitantes(IBGE-2022), urbanizada e, que pese os problemas relacionados a essa urbanização, em pleno desenvolvimento nas áreas economias, sociais e de infraestrutura.
Tudo bem até agora, mas você já parou pra pensar como era Macapá ao tempo de sua “criação”? Já se perguntou como a cidade se organizava espacialmente nesse período? Quem eram seus habitantes? Como viviam? Como era constituída sua economia, sua política, sua mentalidade religiosa?, alguma vez você já fez esses ou mesmo outro exercício de reflexão a respeito dos primórdios de nossa cidade?
Pois bem, não somos ingênuos, e tão pouco arrogantes, a ponto de querer abordar, em seus mínimos detalhes, todas as facetas da Macapá setecentista, isso seria uma enganosa e perigosa ambição. Até porque esse pequeno texto não tem o escopo de uma rigorosa produção científica, tampouco acadêmica. Portanto, algumas das indagações em destaque serão tratadas aqui de modo superficial, ou mesmo ilustrativo.
O que na verdade pretendemos é trazer algumas curiosidades relacionadas a origem de nossa cidade, tendo por base à análise, mesmo que superficial, de um documento cartográfico produzido pela administração portuguesa, datado de 1761, que nos fornece algumas informações sobre os seus principais traçados à época. Dito isso, podemos assumir que nosso principal intuito é o de entreter nossos leitores, e quem sabe, com uma pitada de pretensão, informar. E vamos lá.
Como destacado no início do texto, a criação da Vila de Macapá se deu em meio a uma ação militar de demarcação de fronteiras e estabelecimento de povoados nas terras do Extremo Norte do Brasil. Essa política, posta em prática pelo então primeiro-ministro de Portugal, Marques de Pombal, visava garantir a posse portuguesa sobre as terras setentrionais da colônia brasileira, constantemente ameaçadas de invasão por nações estrangeiras. O projeto tinha como linha de ação a construção de fortificações militares - das quais é exemplo a Fortaleza de São José de Macapá - e, associado a isso, a criação de vilas e povoado para promover a colonização e a defesa da área.
Dessa forma, uma das primeiras medidas tomadas pela administração colonial, após o ato de criação de novos núcleos populacionais, seria a de produzir mapas descritivos dos novos espaços urbanos, para assim organizar, documentar e informar a el rei sobre sua existência. Exemplo dessa prática da administração portuguesa podemos encontrar no mapa da Vila de São José de Macapá - com datação de apenas três anos após a sua elevação a categoria de vila – no qual se observa preciosos detalhes sobre o seu desenho urbano, revelando, dentre outras informações, sua localização e distribuição espaciais-geográficos, seu relevo e paisagens naturais, seus traçados, a identificação de seus principais logradouros públicos, como também suas correspondentes denominações e destinações.
Ao nos atentarmos ao documento, podemos constatar que a área urbana era de pequena proporção, com descrição de trinta e três pontos importantes da “cidade”, dentre eles duas igrejas, duas praças, nove ruas, dez travelsa (travessas), setenta e sete cazas (casas) de moradores, dois portos, casa da Câmara, estabelecimentos militares. Observamos também a existência de um grande lago em meio ao espaço urbano, bem como o posicionamento do lugar em relação ao Rio das Amazonas, além de outras informações como açougues, casa do vigário, palácio velho e demais coordenadas geográficas. Vejamos algumas informações sobre a cidade nesse período.
Com um número relativamente baixo de habitantes (mesmo para os padrões da época) Macapá, ou Terra das Bacabas, ou ainda, Ilha dos Tucujus, caracterizava-se como uma cidade pacata, com uma base econômica pautada na agricultura de subsistência – cultivo de milho, feijão, farinha, arroz – na pesca, na caça e na extração de produtos da floresta, atividades geralmente associadas aos nativos. Outra característica marcante de seus moradores, em especial a de origem europeia, era sua profunda devoção religiosa à igreja católica, que por diversas vezes tinha suas práticas mescladas e/ou compartilhadas com crenças e ritos religiosas locais, como é o caso da crença em rituais de curandeirismo e em entidades protetoras da floresta.
Quanto a composição de sua população, era basicamente formada por indígena de diversas etnias, dentre elas os Palikur, os Arawak e os Karib, bem como por famílias açorianas transportadas das ilhas do Atlântico para Macapá, no início da década de 1750, como parte do Projeto Pombalino de colonização e desenvolvimento da região. Outra fração populacional era formada por militares, que tinham como base a antiga fortificação denominada Reduto do Macapá (ponto C do mapa), edificação que foi construída em 1738 para defender a foz do rio Amazonas contra excursões de visitantes indesejados, e que se situava no mesmo local onde posteriormente seria erguida a maior fortificação colonial portuguesa das Américas, a Fortaleza de São José de Macapá (1764-1782).
A administração pública ficava a cargo do Senado da Câmara (ponto I), que a exercia por meio de vereadores eleitos dentre os habitantes locais, sendo que o mais votado no pleito teria a incumbência de aplicar a justiça no povoado, conforme as normativas da época. A igreja também possuía um importante papel no controle e organização da vida em comunidade, constituindo-se seus representantes em verdadeiras autoridades, muitas das vezes com maior poder e prestígio que os próprios agentes públicos seculares. Não por acaso que uma das primeiras ações da Coroa Lusitana, ao estabelecer seus núcleos populacionais, era a construção de Igrejas ( ponto A e B), a exemplo da Igreja de São José de Macapá, datada do mesmo ano do mapa em questão.
Mas enfim, como destacamos antes, não é nossa intenção esgotar o tema, nem tampouco fazer um resumo ou síntese da rica história das Terras dos Tucujus. O que propomos aqui, diante dessas parcas informações, é fazer um pequeno exercício de reflexão sobre como era viver em nossa cidade quando de sua criação e, de quebra, quase que inevitavelmente fazer um comparativo entre ela e a nossa Macapá contemporânea.
Imaginar, por exemplo, como era a vida cercada de florestas e animais selvagens. A atmosfera de misticismo que pairava sobre o ar. A crença em figuras mitológicas como o Curupira, a Mãe do Mato, a Protetora dos rios e outras figuras até hoje presentes em nosso imaginário e que são heranças de nossos povos indígenas e africanos.
Imaginar as relações sociais, brincadeira, vida privada, enfim, o dia-a-dia das almas que habitavam esse lugar. A vida sem água encanada, sem eletricidade, a diversão e informação sem internet. Pensar no brilho dos astros nas noites e nos relógios naturais que ditavam o ritmo da vida. Nos transportar para as moradas simples que compunham a paisagem local, seus telhados de palha, suas paredes e assoalhos de madeira, suas grandes janelas abertas para receber a constante visita dos ventos vindos do rio. Andar pelas ruas de terra, acenando e colhendo as últimas informações com os vizinhos. Navegar pelos rios e lagos, tão presentes e necessários para a população de então.
Com isso, partindo da observação do mapa, podemos exercitar ainda mais nossa criatividade e ludicamente nos transportarmos para então Rua das Flores, ou para Rua Formosa (hoje rua Cândido Mendes), ou mesmo para a Rua da Campina observando seus jardins e paisagens. Cruzar a Travelsa das Estrellas em uma noite de luar. Passear no domingo de manhã após a missa na Igreja Nova (atual Igreja de São José ), cruzar à praça São Sebastião (atual Veiga Cabral) a caminho da Rua do Sol (Coriolano Jucá), para então chegar a Beira-rio para ver o movimento das embarcações à vela e curtir a brisa que delicadamente sopra do majestoso rio Amazonas sobre nossos rostos.